Jo Natas*

*graduando com habilitação em português.


OUTRA MARGEM

à Marla

girassol no cabelo
marca dos caprichos no pescoço
lábios nos dentes, risos
vermelho nas unhas, arco-íris no corpo
a casca da roupa sob medida
os pés, bichinhos na caixa do chão
olhos lentos nas lentes dos óculos
a música das estações no ouvido da vida
[fone de ouvido]

a pele da outra margem só o vento alcança
dança
cansa



AUSÊNCIA

para Akirê

sempre é noite quando vais
fecham os olhos as estrelas
abrem-se as feridas

a agulha que deste não costura
fura
fere
a
funda

Charles Alves*


*graduando em letras com habilitação em português.
 
MADRUGADA 


Confiava idéias mirabolantes encostado na máquina de refrigerantes da loja de conveniência. Foi até a estante de livros baratos e ficou namorando uma edição de “nada de novo no front”, sempre quisera lê-lo. Virou-se para a atendente, vinte e poucos anos desinteressantes, ela o observava com a expectativa de uma megera, como a ansiar que ele fizesse algo de errado. E ele nem ai.

- Quanto é este livro?
- O preço está na capa.
- Hum - mais falando para si - 10 contos.

Folheou rapidamente, parou, virou-se novamente para ela.

- E o que fala a história?
- Como eu vou saber? – foi a resposta dada pela singela moça que vendia livros, mas que, provavelmente, nunca tinha lido um.

Estudou o livro mais um pouco, abriu, folheou, contou páginas, leu trechos, fez uns cálculos silenciosos e foi até a atendente com o livro numa mão enquanto a outra se remexia no bolso. Arrancou 5 páginas, deixou 35 centavos no balcão junto com o livro mutilado e saiu feliz pela sua mais nova aquisição.
A atendente, pega de surpresa, nem teve tempo de entender, mas sabia que seria ela que teria arcar com o prejuízo. Colocou o livro na estante, azar de quem o comprasse.

..................

Andava pelas ruas soturnas e quase vazias, tirou um cigarro amassado do bolso e uma caixa de fósforos de algum lugar. Só tinha dois palitos.  Acendeu um, mas a mãe-natureza em sua imensa sabedoria achou que seria um bom momento para presenteá-lo com uma leve brisa, e o fogo achou que esta seria uma morte digna, resolveu bater as botas.
Fechou os olhos e gritou em sua mente um palavrão que só ele conhecia (e do qual sentia muito orgulho, por isso evitava falá-lo em voz alta). Seguiu até o canto da mercearia do Bigode, que estava fechada, para dar o último tiro. Num único movimento que demonstrava destreza soberba mesclada com um desespero para fumar, acendeu o cigarro.
Sorriu.
Seguiu andando.
Ao dobrar na esquina depara-se com um sujeito sentado na calçada que, ao lhe ver, levanta-se e vai cambaleante em sua direção.

- Tem um irmão desse, mano? – disse apontando para o cigarro que já ia pela metade.
- Infelizmente para nós dois, não.
- Pô.
- Tá afim de dividir?
- De boa mano.

Ficam fumando calados por um tempo, apreciando o ultimo trago até a bagana. Quando acabam, o sujeito mete a mão no bolso e tira uma faca.

- Passa a grana mano!
- Heh, não tenho.
- Porra meu, eu não tô brincando.
- Eu também não.
- Eu vou te furar!
- Então tu vai ser amaldiçoado.
- O quê?
- Bem, os ciganos acreditam que quando dois homens dividem um cigarro, cria-se um vínculo entre eles mais forte que o...
- Foda-se os ciganos!
- É, eles já se foderam faz tempo.
-Me dá o que tu tem.

Mete a mão no bolso e tira uma caixa de fósforos vazia, cinco páginas arrancadas de um livro, e um cigarro.

- Porra, tu disse que aquele era teu último! – diz o assaltante.
- Mas era, esse ai é do meu cachorro, tenho que guardar senão ele me morde quando eu chego em casa.
- Caralho, teu cachorro fuma?
- Na verdade não tenho cachorro.
-Porra, tu é muito mentiroso!
- Olha, se tu vai me roubar, rouba logo. Não vou ficar aqui sendo insultado!

Coloca as coisas na mão do ladrão e sai andando. O ladrão aperta o passo fica ao seu lado.

- Desculpa ai – fala em tom conciliador – não quis te ofender.
- Tudo bem.
- Olha, toma tuas coisas, vou ficar só com teu cigarro.
- Tá beleza.
- Falou.
- Até.

André de Aquino*


*graduando em letras com habilitação em português.
 


A GLAUCO MATTOSO


fecha os olhos

para derramar teu silêncio

teu vinco
teu vínculo com a palavra
instintiva

teu verbo virgem

(verbo-hímem)

tua língua orgásmica




MEUVERBOÉVERMELHO


meuverboévermelho
é batom de
puta

epitélio
carne
verme

menstru
ação

escrita viva

vulva secreta

a glande que desvela-se
vinda de dentro do Ví
                                Cio



UM QUASE-SONETO GLAUCOSIANO


me res
pau
do no
glau

co
mat
oso
aquo

so laico
metoso cor
te

no oco
quero ser
glauco mattoso




AO GUAXE


umagarra
fa não é um
a garra
fa é ant
es uma (quase) arte




CARALHO É COISA É COISA


caralho é coisa é coisa
pra caralho caralho não é
nome caralho é peça de xadrez é
fruta escrita sagrada
palavra fudida
não sou o caralho que gosta
ria sou um cara( solitário sem o )alho que permita
sou a permuta a pica a puta da esquina a
vida



i XEQUE !

                                            i xeque !

lança-
palavras

descalças
sobre um cavalo vermelho

                                            ! zás i

come-palavras
saltitantes
sobre um tapete vermelho

o poema cai
atira uma toalha vermelha
lhe falta um dente

onde estará?
terá sido levado pelas fadas?
ou
atirado sobre um telhado-tabuleiro
vermelho de sol?

                                               i mate !

Fabrício Luz*


*graduando de Letras com habilitação em Francês.


WILD


12h00
                                 Matéria humana = combustão
                                 volatização de crianças in vitro
                                 $ cambia R$ 1,90 eu
                                                                  etc
                                 Aª Rosa-dos-ventos orvalha a máquina marca
                                 ODNIURTSNOC hic et nunc Inc.
                                 Chave ON golfada ácida esporro sulfúrico
                                 ffffffffssssssssfffffsssssttttttrrrrrrrrr

                      RRRRRRBumffffffsssssRRRRRRBumffffffssssschchchchchch
                                 quasescorre pela cena um jazzista
                                 alucina(n)do estala tempo cool Allegro Cocaína 
                                                                                      click!



HUM!


Hum!
( olhos e boca espantados,
 mãos estraladas nas pernas )
feito criança me deu um beijo,
daqueles de “estava demorando!”
Encolheu parece maria-fecha-porta,
risinho abafado.

Fiquei com cara de quem tinha quebrado um vaso.
Tirou o cigarro da bolsa, estendeu a carteira.
Eu fumava.
Ela fumava.
O ponteiro fez um último tic e parou...



Adônis Nascimento*

*Graduando em Letras com Habilitação em Português
ahadonis.blogspot.com




À NOITE

Sobre os telhados
gatos miúdos
gozAM
MAdrugadas


AMORTEMITO

à Laura Nog

Ainda não sei em que medida a garra daquele grifo penetrou minha carne
Deste verso surreal onde o canto na garganta aguarda abril
Mas não perdi a chance de protestar a altura da violência da garra
E pousei um beijo de compaixão nas penas das asas do mito




POEMA

ao meu filho Pedro

A carne tenra e fresca da manhã
no contato com a minha
suspira um sono cratera
sua respiração constante, analgésica
ignora os profundos segredos do mundo
da existência das coisas
que há outros planetas e nunca os veremos

Ele se vira e me chama ainda dormindo
olho o abismo entre nós
e meus dedos vão pousar
na curva do rosto dele, macio e novo
todo seu corpo emana sonho
corpo que esculpi na brasa do meu

Agora esse riso inconsciente
(devemos estar brincando
posso até ouvir a voz
as cascatas do riso dele
tão só dele)
chama de novo por mim

Ainda que o tempo redobre seus esforços
mostre ainda mais caninos
esse momento
essa voz profunda chamando meu nome
essa tez quente e pálida
tudo isso vence o instante
revela a folga da armadura

Deixo-me estar ao lado dele
respirar do mesmo sonho
onde seremos sempre os mesmos
os mesmos não importa quando



TELÚRIO FENDIDO

Uma pele como a tua
que arde
que rasga este invólucro
continente da fúria
e cava a gruta
pro mais profundo
pro ainda mais profundo
na minha carne
na minha carne

a minha pele
a alma nua


POEMA

borboletas partem dos teus olhos
e ferem o tédio da tarde
pousam sobre minha boca e dormem

eu, nos teus, naufragolhos
tu, no meu peito, naufragalhos
euetu
nossos os olhos portos
as ondas os dedos
nossos os braços ramos
a grama preta do peito

cada lufar de asas, tufões
cada partir de galhos, um beijo
e o vento



GÊNESE

O poema não nasce da areia fina da ampulheta
Nem o ritmo nasce da centopéia dos versos
O lirismo não provém de nenhum mar oculto nos globos dos olhos
Nem o verbo cavalga o infinito agarrado à crina do cometa

Antes de tudo isso

O poema só sabe vir da complexa contradição
De não ser o que é
Porque o poema é o que não é
E nunca deixa de ser...


PARADOXOLHOS

Como os
Enigmantes olhos de gato
Ferozes e simples
Penetrantes agulhas nos ferrões
De enxames pacíficos
Beleziantes cores vivas
Em borboletas na parede


POEMA

Peguei um punhado de brisa da tarde
amarrei todas num feixe grande
assim afaguei as cores das flores
afastei borboletas para que dançassem
notei que o vento pousava na copa das árvores
havia cheiro de raios de sol em seu corpo de nuvem
e um verbo modulava seu friso com poesia e som...


SALMO

Meu Deus, tende piedade da minha constante insatisfação
tende piedade desta criatura tua
toda escura, toda nua diante da vida
tende piedade do abismo que fende meu peito

Ah! Meu Deus, ainda sinto o peso continente
daqueles olhos que amo
que me transpassaram a alma
intransitivos
cruéis

e doces
livrai-me do sabor desses olhos
da viagem irretornável ao mar desses olhos
da noite clara que no cais desses olhos
e do símbolo arruinado do futuro nesses olhos

Ah! Deus, inda o estertor do meu verbo
é o descriar do mundo
e preciso o sopro que vem de ti
o prisma novo que separa as cores
do manto infinito que recobre a existência das coisas

Meu Deus faz de mim um bardo
brado de poesia na borda do tempo
assim me faço porquê
também (e no entanto)
sou tua coisa e filho
mas Deus não me faça querer mais aqueles olhos
não os suporto se não são meus
porque sou deles
todo deles, meu Deus...