*graduando em letras com habilitação em português.
MADRUGADA
Confiava idéias mirabolantes encostado na máquina de refrigerantes da loja de conveniência. Foi até a estante de livros baratos e ficou namorando uma edição de “nada de novo no front”, sempre quisera lê-lo. Virou-se para a atendente, vinte e poucos anos desinteressantes, ela o observava com a expectativa de uma megera, como a ansiar que ele fizesse algo de errado. E ele nem ai.
- Quanto é este livro?
- O preço está na capa.
- Hum - mais falando para si - 10 contos.
Folheou rapidamente, parou, virou-se novamente para ela.
- E o que fala a história?
- Como eu vou saber? – foi a resposta dada pela singela moça que vendia livros, mas que, provavelmente, nunca tinha lido um.
Estudou o livro mais um pouco, abriu, folheou, contou páginas, leu trechos, fez uns cálculos silenciosos e foi até a atendente com o livro numa mão enquanto a outra se remexia no bolso. Arrancou 5 páginas, deixou 35 centavos no balcão junto com o livro mutilado e saiu feliz pela sua mais nova aquisição.
A atendente, pega de surpresa, nem teve tempo de entender, mas sabia que seria ela que teria arcar com o prejuízo. Colocou o livro na estante, azar de quem o comprasse.
..................
Andava pelas ruas soturnas e quase vazias, tirou um cigarro amassado do bolso e uma caixa de fósforos de algum lugar. Só tinha dois palitos. Acendeu um, mas a mãe-natureza em sua imensa sabedoria achou que seria um bom momento para presenteá-lo com uma leve brisa, e o fogo achou que esta seria uma morte digna, resolveu bater as botas.
Fechou os olhos e gritou em sua mente um palavrão que só ele conhecia (e do qual sentia muito orgulho, por isso evitava falá-lo em voz alta). Seguiu até o canto da mercearia do Bigode, que estava fechada, para dar o último tiro. Num único movimento que demonstrava destreza soberba mesclada com um desespero para fumar, acendeu o cigarro.
Sorriu.
Seguiu andando.
Ao dobrar na esquina depara-se com um sujeito sentado na calçada que, ao lhe ver, levanta-se e vai cambaleante em sua direção.
- Tem um irmão desse, mano? – disse apontando para o cigarro que já ia pela metade.
- Infelizmente para nós dois, não.
- Pô.
- Tá afim de dividir?
- De boa mano.
Ficam fumando calados por um tempo, apreciando o ultimo trago até a bagana. Quando acabam, o sujeito mete a mão no bolso e tira uma faca.
- Passa a grana mano!
- Heh, não tenho.
- Porra meu, eu não tô brincando.
- Eu também não.
- Eu vou te furar!
- Então tu vai ser amaldiçoado.
- O quê?
- Bem, os ciganos acreditam que quando dois homens dividem um cigarro, cria-se um vínculo entre eles mais forte que o...
- Foda-se os ciganos!
- É, eles já se foderam faz tempo.
-Me dá o que tu tem.
Mete a mão no bolso e tira uma caixa de fósforos vazia, cinco páginas arrancadas de um livro, e um cigarro.
- Porra, tu disse que aquele era teu último! – diz o assaltante.
- Mas era, esse ai é do meu cachorro, tenho que guardar senão ele me morde quando eu chego em casa.
- Caralho, teu cachorro fuma?
- Na verdade não tenho cachorro.
-Porra, tu é muito mentiroso!
- Olha, se tu vai me roubar, rouba logo. Não vou ficar aqui sendo insultado!
Coloca as coisas na mão do ladrão e sai andando. O ladrão aperta o passo fica ao seu lado.
- Desculpa ai – fala em tom conciliador – não quis te ofender.
- Tudo bem.
- Olha, toma tuas coisas, vou ficar só com teu cigarro.
*graduando em letras com habilitação em português.
A GLAUCO MATTOSO
fecha os olhos
para derramar teu silêncio
teu vinco
teu vínculo com a palavra
instintiva
teu verbo virgem
(verbo-hímem)
tua língua orgásmica
MEUVERBOÉVERMELHO
meuverboévermelho
é batom de
puta
epitélio
carne
verme
menstru
ação
escrita viva
vulva secreta
a glande que desvela-se
vinda de dentro do Ví
Cio
UM QUASE-SONETO GLAUCOSIANO
me res
pau
do no
glau
co
mat
oso
aquo
so laico
metoso cor
te
no oco
quero ser
glauco mattoso
AO GUAXE
umagarra
fa não é um
a garra
fa é ant
es uma (quase) arte
CARALHO É COISA É COISA
caralho é coisa é coisa
pra caralho caralho não é
nome caralho é peça de xadrez é
fruta escrita sagrada
palavra fudida
não sou o caralho que gosta
ria sou um cara( solitário sem o )alho que permita
sou a permuta a pica a puta da esquina a
vida
i XEQUE !
i xeque !
lança-
palavras
descalças
sobre um cavalo vermelho
! zás i
come-palavras
saltitantes
sobre um tapete vermelho
o poema cai
atira uma toalha vermelha
lhe falta um dente
onde estará?
terá sido levado pelas fadas?
ou
atirado sobre um telhado-tabuleiro
vermelho de sol?
*Graduando em Letras com Habilitação em Português
ahadonis.blogspot.com
À NOITE
Sobre os telhados
gatos miúdos
gozAM
MAdrugadas
AMORTEMITO
à Laura Nog
Ainda não sei em que medida a garra daquele grifo penetrou minha carne
Deste verso surreal onde o canto na garganta aguarda abril
Mas não perdi a chance de protestar a altura da violência da garra
E pousei um beijo de compaixão nas penas das asas do mito
POEMA
ao meu filho Pedro
A carne tenra e fresca da manhã
no contato com a minha
suspira um sono cratera
sua respiração constante, analgésica
ignora os profundos segredos do mundo
da existência das coisas
que há outros planetas e nunca os veremos
Ele se vira e me chama ainda dormindo
olho o abismo entre nós
e meus dedos vão pousar
na curva do rosto dele, macio e novo
todo seu corpo emana sonho
corpo que esculpi na brasa do meu
Agora esse riso inconsciente
(devemos estar brincando
posso até ouvir a voz
as cascatas do riso dele
tão só dele)
chama de novo por mim
Ainda que o tempo redobre seus esforços
mostre ainda mais caninos
esse momento
essa voz profunda chamando meu nome
essa tez quente e pálida
tudo isso vence o instante
revela a folga da armadura
Deixo-me estar ao lado dele
respirar do mesmo sonho
onde seremos sempre os mesmos
os mesmos não importa quando
TELÚRIO FENDIDO
Uma pele como a tua
que arde
que rasga este invólucro
continente da fúria
e cava a gruta
pro mais profundo
pro ainda mais profundo
na minha carne
na minha carne
a minha pele
a alma nua
POEMA
borboletas partem dos teus olhos
e ferem o tédio da tarde
pousam sobre minha boca e dormem eu, nos teus, naufragolhos
tu, no meu peito, naufragalhos
euetu
nossos os olhos portos
as ondas os dedos
nossos os braços ramos
a grama preta do peito
cada lufar de asas, tufões
cada partir de galhos, um beijo
e o vento
GÊNESE
O poema não nasce da areia fina da ampulheta
Nem o ritmo nasce da centopéia dos versos
O lirismo não provém de nenhum mar oculto nos globos dos olhos
Nem o verbo cavalga o infinito agarrado à crina do cometa
Antes de tudo isso
O poema só sabe vir da complexa contradição
De não ser o que é
Porque o poema é o que não é
E nunca deixa de ser...
PARADOXOLHOS
Como os
Enigmantes olhos de gato
Ferozes e simples
Penetrantes agulhas nos ferrões
De enxames pacíficos
Beleziantes cores vivas
Em borboletas na parede
POEMA
Peguei um punhado de brisa da tarde
amarrei todas num feixe grande
assim afaguei as cores das flores
afastei borboletas para que dançassem
notei que o vento pousava na copa das árvores
havia cheiro de raios de sol em seu corpo de nuvem
e um verbo modulava seu friso com poesia e som...
SALMO
Meu Deus, tende piedade da minha constante insatisfação
tende piedade desta criatura tua
toda escura, toda nua diante da vida
tende piedade do abismo que fende meu peito
Ah! Meu Deus, ainda sinto o peso continente
daqueles olhos que amo
que me transpassaram a alma
intransitivos
cruéis
e doces
livrai-me do sabor desses olhos
da viagem irretornável ao mar desses olhos
da noite clara que no cais desses olhos
e do símbolo arruinado do futuro nesses olhos
Ah! Deus, inda o estertor do meu verbo
é o descriar do mundo
e preciso o sopro que vem de ti
o prisma novo que separa as cores
do manto infinito que recobre a existência das coisas
Projeto do Coletivo Kamikaze em parceria como Centro Acadêmico de Letras da UFPA destinado, exculsivamente, à publicação da produção literária ou lítero-científica de discentes do curso de letras da UFPA (graduação ou pós), devidamente matriculados em suas faculdades.