Adônis Nascimento*

*Graduando em Letras com Habilitação em Português
ahadonis.blogspot.com




À NOITE

Sobre os telhados
gatos miúdos
gozAM
MAdrugadas


AMORTEMITO

à Laura Nog

Ainda não sei em que medida a garra daquele grifo penetrou minha carne
Deste verso surreal onde o canto na garganta aguarda abril
Mas não perdi a chance de protestar a altura da violência da garra
E pousei um beijo de compaixão nas penas das asas do mito




POEMA

ao meu filho Pedro

A carne tenra e fresca da manhã
no contato com a minha
suspira um sono cratera
sua respiração constante, analgésica
ignora os profundos segredos do mundo
da existência das coisas
que há outros planetas e nunca os veremos

Ele se vira e me chama ainda dormindo
olho o abismo entre nós
e meus dedos vão pousar
na curva do rosto dele, macio e novo
todo seu corpo emana sonho
corpo que esculpi na brasa do meu

Agora esse riso inconsciente
(devemos estar brincando
posso até ouvir a voz
as cascatas do riso dele
tão só dele)
chama de novo por mim

Ainda que o tempo redobre seus esforços
mostre ainda mais caninos
esse momento
essa voz profunda chamando meu nome
essa tez quente e pálida
tudo isso vence o instante
revela a folga da armadura

Deixo-me estar ao lado dele
respirar do mesmo sonho
onde seremos sempre os mesmos
os mesmos não importa quando



TELÚRIO FENDIDO

Uma pele como a tua
que arde
que rasga este invólucro
continente da fúria
e cava a gruta
pro mais profundo
pro ainda mais profundo
na minha carne
na minha carne

a minha pele
a alma nua


POEMA

borboletas partem dos teus olhos
e ferem o tédio da tarde
pousam sobre minha boca e dormem

eu, nos teus, naufragolhos
tu, no meu peito, naufragalhos
euetu
nossos os olhos portos
as ondas os dedos
nossos os braços ramos
a grama preta do peito

cada lufar de asas, tufões
cada partir de galhos, um beijo
e o vento



GÊNESE

O poema não nasce da areia fina da ampulheta
Nem o ritmo nasce da centopéia dos versos
O lirismo não provém de nenhum mar oculto nos globos dos olhos
Nem o verbo cavalga o infinito agarrado à crina do cometa

Antes de tudo isso

O poema só sabe vir da complexa contradição
De não ser o que é
Porque o poema é o que não é
E nunca deixa de ser...


PARADOXOLHOS

Como os
Enigmantes olhos de gato
Ferozes e simples
Penetrantes agulhas nos ferrões
De enxames pacíficos
Beleziantes cores vivas
Em borboletas na parede


POEMA

Peguei um punhado de brisa da tarde
amarrei todas num feixe grande
assim afaguei as cores das flores
afastei borboletas para que dançassem
notei que o vento pousava na copa das árvores
havia cheiro de raios de sol em seu corpo de nuvem
e um verbo modulava seu friso com poesia e som...


SALMO

Meu Deus, tende piedade da minha constante insatisfação
tende piedade desta criatura tua
toda escura, toda nua diante da vida
tende piedade do abismo que fende meu peito

Ah! Meu Deus, ainda sinto o peso continente
daqueles olhos que amo
que me transpassaram a alma
intransitivos
cruéis

e doces
livrai-me do sabor desses olhos
da viagem irretornável ao mar desses olhos
da noite clara que no cais desses olhos
e do símbolo arruinado do futuro nesses olhos

Ah! Deus, inda o estertor do meu verbo
é o descriar do mundo
e preciso o sopro que vem de ti
o prisma novo que separa as cores
do manto infinito que recobre a existência das coisas

Meu Deus faz de mim um bardo
brado de poesia na borda do tempo
assim me faço porquê
também (e no entanto)
sou tua coisa e filho
mas Deus não me faça querer mais aqueles olhos
não os suporto se não são meus
porque sou deles
todo deles, meu Deus...

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