Charles Alves*


*graduando em letras com habilitação em português.
 
MADRUGADA 


Confiava idéias mirabolantes encostado na máquina de refrigerantes da loja de conveniência. Foi até a estante de livros baratos e ficou namorando uma edição de “nada de novo no front”, sempre quisera lê-lo. Virou-se para a atendente, vinte e poucos anos desinteressantes, ela o observava com a expectativa de uma megera, como a ansiar que ele fizesse algo de errado. E ele nem ai.

- Quanto é este livro?
- O preço está na capa.
- Hum - mais falando para si - 10 contos.

Folheou rapidamente, parou, virou-se novamente para ela.

- E o que fala a história?
- Como eu vou saber? – foi a resposta dada pela singela moça que vendia livros, mas que, provavelmente, nunca tinha lido um.

Estudou o livro mais um pouco, abriu, folheou, contou páginas, leu trechos, fez uns cálculos silenciosos e foi até a atendente com o livro numa mão enquanto a outra se remexia no bolso. Arrancou 5 páginas, deixou 35 centavos no balcão junto com o livro mutilado e saiu feliz pela sua mais nova aquisição.
A atendente, pega de surpresa, nem teve tempo de entender, mas sabia que seria ela que teria arcar com o prejuízo. Colocou o livro na estante, azar de quem o comprasse.

..................

Andava pelas ruas soturnas e quase vazias, tirou um cigarro amassado do bolso e uma caixa de fósforos de algum lugar. Só tinha dois palitos.  Acendeu um, mas a mãe-natureza em sua imensa sabedoria achou que seria um bom momento para presenteá-lo com uma leve brisa, e o fogo achou que esta seria uma morte digna, resolveu bater as botas.
Fechou os olhos e gritou em sua mente um palavrão que só ele conhecia (e do qual sentia muito orgulho, por isso evitava falá-lo em voz alta). Seguiu até o canto da mercearia do Bigode, que estava fechada, para dar o último tiro. Num único movimento que demonstrava destreza soberba mesclada com um desespero para fumar, acendeu o cigarro.
Sorriu.
Seguiu andando.
Ao dobrar na esquina depara-se com um sujeito sentado na calçada que, ao lhe ver, levanta-se e vai cambaleante em sua direção.

- Tem um irmão desse, mano? – disse apontando para o cigarro que já ia pela metade.
- Infelizmente para nós dois, não.
- Pô.
- Tá afim de dividir?
- De boa mano.

Ficam fumando calados por um tempo, apreciando o ultimo trago até a bagana. Quando acabam, o sujeito mete a mão no bolso e tira uma faca.

- Passa a grana mano!
- Heh, não tenho.
- Porra meu, eu não tô brincando.
- Eu também não.
- Eu vou te furar!
- Então tu vai ser amaldiçoado.
- O quê?
- Bem, os ciganos acreditam que quando dois homens dividem um cigarro, cria-se um vínculo entre eles mais forte que o...
- Foda-se os ciganos!
- É, eles já se foderam faz tempo.
-Me dá o que tu tem.

Mete a mão no bolso e tira uma caixa de fósforos vazia, cinco páginas arrancadas de um livro, e um cigarro.

- Porra, tu disse que aquele era teu último! – diz o assaltante.
- Mas era, esse ai é do meu cachorro, tenho que guardar senão ele me morde quando eu chego em casa.
- Caralho, teu cachorro fuma?
- Na verdade não tenho cachorro.
-Porra, tu é muito mentiroso!
- Olha, se tu vai me roubar, rouba logo. Não vou ficar aqui sendo insultado!

Coloca as coisas na mão do ladrão e sai andando. O ladrão aperta o passo fica ao seu lado.

- Desculpa ai – fala em tom conciliador – não quis te ofender.
- Tudo bem.
- Olha, toma tuas coisas, vou ficar só com teu cigarro.
- Tá beleza.
- Falou.
- Até.

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